Wednesday, August 19, 2015

reflexões pessoais sobre veganismo

Ontem, observando como algumas pessoas reagem a comentários sobre o trato ético que temos com os animais, percebo como não estamos preparados para discutir nossa relação abusiva com animais não-humanos. Por que razão seria o diálogo sempre tão inflamado? Tenho duas hipóteses primordiais.

A primeira dela diz respeito ao fato de não querermos ouvir ou ver aquilo de que somos algozes, isto é, não queremos nos sentir culpados por aquilo que fazemos de errado. Mesmo que essa noção do que é errado seja incerta e acabe nos levando a relativismos, não devemos questionar se nossas atitudes são ou não moralmente corretas. Antes, devemos olhar para o objeto de nossas ações e, assim, refletir sobre nossas convicções morais e éticas.

Aquilo que fazemos aos animais é errado. Por inúmeros motivos - e não vou me prender a isso, uma vez que não é meu propósito imediato -, afastamos a ideia de que a exploração animal é financiada por nosso dinheiro. No mercado, optamos por comprar aquilo que nos agrada o paladar; dificilmente (para não dizer nunca) pensamos sobre o processo que gerou determinados produtos, principalmente os animalizados. Sabemos ser errado comprar o pedaço da carne de um animal, mas por alguma razão distante preterimos a reflexão e continuamos a encher o carrinho.

A causa da questão deve ser problematizada, mas as consequências de nossas ações devem ser priorizadas quando pensamos em uma sociedade relacionada em cadeia. É nosso direito, enquanto seres humanos, objetificar animais para nossa comodidade? Buscar razões filosoficamente rasas para consumir animais, enquanto sabemos que, no fundo, essa prática só tem a trazer sofrimento, prejuízos ao meio ambiente e falta de responsabilidade ética é um mecanismo recorrente quando nos deparamos com esboços intelectuais pobres e sem uma argumentação refinada de nossas práticas.

Vivemos em uma sociedade regada pelo sentimento de culpa, cujo precursor, o cristianismo, nos educou a vida toda a cultivar. Paradoxalmente, fugimos desse sentimento por não querermos ser associados à violência cometida diariamente em fazendas industriais. Quando questionados, então, sobre as razões que nos levam a perpetuar práticas abusivas contra a vida dos animais não-humanos, buscamos explicações cada vez mais desconexas com o mundo e as ações que praticamos. Não há embasamento ético para o holocausto animal. Sabemos disso, e ainda assim tentamos justificar nossa posição supostamente superior enquanto humanos racionais.

Minha segunda hipótese versa sobre uma consequência infeliz desse antropocentrismo de que a sociedade se vale quando falamos da exploração animal.

O mundo parece ser bipolarizado por grupos ideológicos cada vez mais categóricos. Os que consomem produtos animalizados e aqueles que não o consomem. Em debates sempre frequentes, é comum observarmos como esses lugares discursivos são marcados. A ideologia carnista e sua lógica de opressão visa a apagar suas vítimas e silenciar aqueles que se importam com a causa: os animais parecem estar na terra a nosso bel-prazer, independente do tratamento que recebem para que o produto final esteja disposto para saciar nossa gula sanguinária; os ativistas pelos direitos animais são desenhados como lunáticos fora da percepção "real" do mundo, pois parece configurar um grande equívoco questionar práticas enraizadas socialmente, como a exploração animal.

É a partir desses mecanismo discursivos que as posições ideológicas se afirmam e, portanto, distanciam-se da ideologia do outro. Esperamos, quando apontamos as diferenças entre os modos de pensar e ver o mundo, que nossas opiniões sejam legitimadas. Se reconheço que não posso concordar com a maneira de pensar que expande minha consciência moral para todos os demais animais sencientes, então justifico minha posição como uma escolha autônoma e individual, em que os demais não podem interferir ou questionar. E voltamos ao início do meu raciocínio: expulsamos de nós o sentimento de culpa por não querermos ser vistos na História como os mantenedores de práticas violentas e arcaicas de viver. Se a culpa não é nossa, de quem é então?

Ainda que as discussões sobre como nos relacionamos com os animais pareça um oceano de complexidades, sempre me volto à causa de minha militância: eles, os animais.

Sua existência e razão de ser não nos diz respeito. Compartilham o planeta da mesma forma que nós, seres biológicos e sociais, também compartilhamos. Buscamos compreender nossa essência humana e nos esquecemos do básico. Esquecemo-nos de que somos, também, seres. Somos a consequência do mundo; somos animais e vivemos.

Como Elizabeth Costello, personagem de Coetzee, às vezes olho para as pessoas - os amigos, familiares, colegas de trabalho e alunos - e penso: "Eu não esperava ter de enunciar princípios". É como me sinto em relação ao mundo. Meu silêncio pode parecer um apaziguador de possíveis conflitos, mas no fundo a minha voz é escassa para discutir nosso tão pouco entendimento do mundo.